sábado, agosto 25, 2007

Júlio Machado Vaz


"Nada me pode ser exigido a não ser paleio"

Está em Cantalães, freguesia de Vieira do Minho, onde possui casa. Contactado por mail, é por mail que responde, pouco depois. Com humor e gentileza. Júlio Machado Vaz, 58 anos, não é só o sexólogo mais mediático do país. Publicou vários livros. O primeiro, em 1991, "O sexo dos anjos" foi o seu Citizen Kane.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 25 de Agosto na série Farpas do Jornal de Notícias]


Por que diabo partilha as suas “ruminações” connosco em http://murcon.blogspot.com/?
Porque Diabo havia de ser o único a apanhar com elas?

Herdou alguma corda vocal da sua mãe?Nem um fio!

Um psiquiatra é, também, um sedutor?
Se calhar o inverso é mais verdadeiro.

Já alguma paciente se apaixonou por si? Como reage?Que eu saiba, não. Ao fim de trinta anos de clínica pergunto-me se não será preocupante…

O facto de expor-se publicamente como “doutorado” em sexo traz-lhe responsabilidades acrescidas na sua vida pessoal?
Não, porque os meus cursos de Sexologia são teóricos. Logo, nada me pode ser exigido a não ser “paleio”, como se diz no meu Porto.

Alguma vez consultou um sexólogo?
A mim, ao espelho.

Ainda joga gamão na Internet? Para curar o quê?Não. Como era para me distrair do trabalho, cheguei à conclusão de que era mais eficaz tentar manter-me a par das aquisições do Benfica.

Cintando-o, na sua “provecta idade, a ausência de sofrimento é já uma experiência erótica”?Nem mais, estar vivo já é um enorme prazer. Se lhe adicionarmos uma francesinha, cerveja e tremoços na Galiza ele torna-se quase insuportável.

Como se explica a um neto de quatro anos a capacidade que uma mulher, na praia, pode ter capacidade para, em meia dúzia de minutos, enlouquecer um banhista?
Não se explica porque nunca me aconteceu, era wishful thinking.

É por ser filho único que gosta de ser o centro das atenções?
É (também) por ser filho único que nunca procurei ser o centro das atenções, apesar de lhe ter suplicado esta entrevista.

E é por ser demasiado abordado na rua que passeia na marginal da Foz completamente disfarçado
Não, é por ser asmático.

Os dez anos que passou num colégio de padres tiveram influência na carreira que escolheu?
Não, fui para Medicina porque a minha Mãe decidiu e depois deixou-me pensar que fora eu.

Via o “A, B, Sexo” de Marta Crawford [TVI]? Apreciou o formato?
Vi algumas vezes. Pareceu-me um programa de entretenimento picante disfarçado de programa de educação sexual. Aposto, por exemplo, que não era a Marta a escolher os convidados.

Disse: “Não há nada menos romântico do que uma gravidez indesejada”. Ficou desiludido com o número de médicos que se declarou objector de consciência para não realizar abortos?
De modo algum, com a consciência não se brinca. Desde que ela actue da mesma forma nos vários locais de trabalho.

A sua experiência diz-lhe que o sexo ajuda mais a salvar ou a arruinar casamentos?A arruinar. Uma boa relação sexual não chega para construir uma cumplicidade global duradoura.

Alguma vez as suas convicções ficaram abaladas pelas dúvidas dos pacientes?Seguramente, em trinta anos ouvi argumentos sobre os mais diversos assuntos que me obrigaram a reavaliar os meus.

Genericamente, as preocupações dos hetero são idênticas à dos homossexuais?Não acredito em diferenças essenciais baseadas na orientação sexual. Excepto numa, que não é essencial, vem dos outros – a discriminação.

Em “O sexo dos anjos” (Relógio d’Água, 1991) traça uma espécie de manual que ensina a sobreviver aos desgostos de amor. Os seus livros são inspirados nas consultas?Também, afinal a minha profissão consiste em ouvir histórias de vida. Como costumo escrever sobre elas.

Cantelães é o preservativo que o protege de uma vida social frenética?
Não, para isso chega João de Barros e dizer “não”. Na realidade, a minha vida social é mais activa em Cantelães, neste preciso momento a casa está cheia de gente. E ninguém é mais frenético do que os meus netos!

Qual é o seu prognóstico para o Porto-Sporting?
O de qualquer benfiquista que se preze – vão perder os dois por falta de comparência!

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sexta-feira, agosto 24, 2007

Vasco Graça Moura


"Marques Mendes vai destronar José Sócrates"

O mais certo, disse, seria só conseguir responder dali a dois dias. Vasco Graça Moura, 65 anos, há-de ter contornado a agenda para enviar as respostas no dia seguinte, de manhã cedo. Escritor transpirado; cavalheiro enxuto. Homem do Porto a viver em Lisboa diz ser cáustico quando tem que ser.
[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 25 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Alguma vez leu literatura dita light? Mesmo que só por curiosidade?
Uma ou duas vezes. Uma das personagens de um romance que escrevi há alguns anos, Meu amor era de noite, é uma autora de literatura light…
As suas tournées pelas livrarias com Pacheco Pereira incluíam a aquisição de livros de bolso ou os livros têm que ser, também, objectos bonitos?
É raro comprar livros de bolso. Só o texto não tiver saído noutra edição ou se se tratar de uma coisa que não se encontra de outro modo. Um livro deve durar 300 anos. Mas não nego a extraordinária importância dos livros de bolso para a democratização da cultura.

Antes de José Saramago ganhar o Nobel [1998] afirmou que gostava que um escritor português vencesse esse prémio literário porque seria importante para a afirmação da nossa cultura no mundo. Agora, ele veio dizer que Portugal devia pertencer a Espanha. Diria que Saramago é um mau embaixador do país?
Saramago não é um diplomata, é um grande escritor português. Era muito pior se ele fosse um bom embaixador e um medíocre escritor.

O que lhe parece mais grave: a ministra da Cultura não ter comparecido nas comemorações do centenário de Miguel Torga ou ter dispensado Dalila Rodrigues do Museu Nacional de Arte Antiga?
De longe, que Dalila Rodrigues tenha sido dispensada. Esse facto cria um gravíssimo problema cultural. A grandeza de Torga dispensa rituais com a presença de qualquer membro Governo.

Um homem da sua craveira fica realmente magoado quando, fruto das suas opiniões publicadas, é atingido com etiquetas como "caceteiro", "trauliteiro" ou "arruaceiro"?
Não sabia do “arruaceiro”. Os outros dois termos são a reacção normal de quem não tem argumentos para o que eu às vezes digo. Não me faz impressão nenhuma, a não a de que acertei no alvo…

A idade ensinou-o a ser menos cáustico ou perdeu só o prazer de contestar?
Não sou cáustico por natureza ou profissão. Sou-o quando entendo que devo sê-lo. E isso não tem nada a ver com a idade.

De que é que não gostou exactamente nos anos 60: do sexo, da droga, do rock'n'roll ou do facto de toda a gente se achar de esquerda?
Já escrevi “uma boa merda, os anos sessenta”... Foram a década da desagregação das sociedades de modelo democrático ocidental. Não trouxeram nada que se tenha tornado uma alternativa válida. Só piolheira e contestação.

O seu partido - PSD - tem já dois candidatos às legislativas de 2009: Mendes e Menezes. Acredita que algum deles pode destronar José Sócrates?
Marques Mendes vai fazê-lo. É evidente.

O PSD foi o partido da silly season. Já se disse que sofre de disfunção eréctil, que precisa de uma semana nas termas, que pode acabar do tamanho do Bloco de Esquerda ou que não pode viver com comprimidos. Qual é o seu diagnóstico?
Que, na silly season há sempre alguém suficientemente parvo para dizer parvoíces dessas. É sinal de que o PSD está bem e se recomenda.

Também teme que todos os intelectuais do partido acabem por transformar--se em dissidentes, como José Miguel Júdice?
Não. Temo, sim, que JMJ acabe por tornar-se dissidente de si mesmo.

E acha, como os advogados deste país, que eles deviam ter, ao contrário da maioria, dois meses de férias?Advoguei durante uns 16 anos. E nunca tive dois meses de férias. Nesse período, havia sempre muito que fazer durante 5 ou 6 semanas.

Traduziu a obra de Dante. O que é que na sua vida é equivalente ao inferno, ao purgatório e ao paraíso que o poeta encontra em "A Divina Comédia"?
Inferno: emperrar numa tradução. Purgatório: andar às voltas com ela e julgar que não saio dali. Paraíso: chegar a uma solução satisfatória.

Arrebata-o mais uma mulher como Berenice [Jean Racine] que prescinde do amor por achar que ele não justifica a queda de um império ou uma mulher como Cléopatra [Shakespeare] que finge suicidar-se por julgar-se preterida?
Hoje em dia, a única mulher que me arrebata é a minha.

É certo que ambas acabaram por morrer. Hoje, já ninguém quer morrer por amor?
Não é evidente. E é preferível morrer por amor do que por um ataque terrorista.

A sua poesia é o palco das suas fragilidades?
Não. É a expressão das minhas possibilidades.

Diz que a escreve mais com transpiração do que com inspiração. Quer dizer que um poema nunca lhe sai do coração?
Pode sair, mas só se torna objecto literário pela técnica “transpirada”.

Ainda troca postais com selo de correio com os amigos do peito. É um romântico na forma de viver a amizade?Nunca escrevi mais de dois ou três postais na vida. Vivo a amizade numa dimensão de lealdade e de boa fé.

Gostava de ter sete vidas como os gatos ou uma basta-lhe?Preferia durar como as tartarugas, desde que em boas condições físicas e mentais.

Que imagem gostaria que guardassem de si?
A que no séc. XVI alguém aplicou ao Sá de Miranda: “Poeta até o embigo, os baixos prosa”.

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António Nunes


"Os portugueses gostam de desafiar a legalidade"


Não é o chefe da brigada dos bons costumes, mas só durante este ano espera completar 34 mil fiscalizações no país. António Nunes,presidente da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE) desde 2005, está de férias. Respondeu à entrevista, por telefone, ao fim da manhã.
[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 24 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Faz parte do último bastião de portugueses com bigode ou aderiu agora à moda?
Nada de moda. Desde os 18 anos que o uso. Se o tirasse, provavelmente, não me reconheceria.

Quando era miúdo comprava bolas de Berlim na praia?
Não só bolas de Berlim como outros bolos, todos embrulhados em folhas de flandres. Era normal.

Eram melhores?Não sei. Sei que era assim. Todos comíamos bolos e bebíamos pirulitos, algo que já nem existe.

Faz churrascadas em casa, já que as proíbe na rua?
Não as proíbo na rua; só faço cumprir a lei. Não tenho o hábito de fazer churrascadas, mas já fiz algumas de sardinhas e carne de porco com os amigos lá no quintal.

Já se sentiu tentado a comprar roupa de marca nas feiras que fiscaliza?Isso não, nunca. Nem roupa, nem óculos, nem malas, CD ou DVD. Nunca fui assíduo frequentador de feiras, nem de produtos falsificados ou que chegam ali por caminhos pouco lícitos.

Todos conhecemos alguém que, nos tribunais, vende material apreendido ao desbarato. Isso repugna-o?
Não lhe vou dizer que não tenho conhecimento desses casos. Já ouvi várias vezes casos de pessoas, não sei se ligadas aos tribunais, que de uma forma ou de outra fazem vendas particulares desses produtos. É errado, porque há aqui uma conexão com uma actividade ilícita que é inadmissível para quem tem que exercer a sua autoridade seja nos tribunais ou nas forças de segurança. Há bem pouco tempo surgiu uma lei em Itália que fez com que um turista que comprou uns óculos por dez euros tivesse que pagar no aeroporto uma coima de 3333 euros. Ou seja, já há uma lei que protege a venda de produtos falsificados, até pelo próprio consumidor. Há uma vontade de terminar com este negócio paralelo que prejudica quem paga impostos e cumpre os direitos de autor.

Vê-se como o chefe da brigada dos bons costumes?
[risos] Não, vejo-me como funcionário público com funções dirigentes. Neste momento, estou numa organização que desempenha um serviço público que é cumprir um conjunto de determinações, leis e normas que não são feitas por nós. Não considero que isso seja uma actividade relevante; é o exercício de uma profissão que procuro exercer, como todas as outras, da melhor forma. De acordo com o que é o enquadramento global da actividade.

Na sua vida pessoal é muito dado a reclamações?
Não sou o tipo de reclamador permanente, mas quando tenho razão vou até ao fim.

Quer dar um exemplo?
Quis comprar uns óculos que vi numa montra e insistiram em querer dar-me outros. Fiz várias reclamações. A loja acabou por dar-me razão, dizendo que não podia vender-me os que eu tinha escolhido porque pertenciam à vitrinista. "Nesse caso, tem que assinalar que não são para venda", respondi. Ao fim de oito dias, venderam-me os óculos.

Sente-se mais confortável nas inspecções da ASAE ou das multas que passava na Direcção Geral de Viação?
As inspecções da ASAE são socialmente mais aceitáveis e mais equilibradas. A taxa de incumprimento anda na casa dos 30%; na DGV havia mais prevaricadores.
Já tentaram suborná-lo?Hmmm... Não propriamente subornar-me, mas já tenho recebido várias tentativas de influenciar as decisões das minhas brigadas.

E ameaças, já recebeu?Várias vezes. É normal.

É por isso que anda armado?Não. No meu dia-a-dia, é evidente que não ando armado. Mas se estiver numa operação nocturna às duas da manhã, numa serra, é normal que a use.

Portugal ainda é o país dos chicos-espertos?
Sim. Mas nos últimos dez anos as coisas têm melhorado. Lembro-me de que, primeiro, quando saía uma lei, havia logo a preocupação de saber como podia ser contornada. Os portugueses gostam sempre de desafiar a legalidade.

Foi inspector dos bombeiros. Não o incomoda os peditórios que fazem na rua?
Quando são os próprios bombeiros a fazer o peditório para causas da sua corporação e o fazem directamente, e em épocas especiais, não me incomoda. Já me faz confusão quando contratam outra entidade para fazer sorteios com rifas. Isso é inadmissível. Sou absolutamente contra isso, acho que devia acabar.

Não deveria haver uma auditoria nacional para aferir os valores angariados?
Os valores são relativamente baixos, julgo eu. E nem sempre a crítica social justifica o peditório.

O que é que, não sendo da sua competência, gostaria de fiscalizar?É difícil responder, porque temos 700 diplomas. Estamos quase em toda a parte. Mas, talvez, apertar os universos mais marginais.

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