quinta-feira, setembro 13, 2007

Eduardo Cintra Torres


"Os outros governos foram meninos de coro"

Única condição: não desvirtuar as suas afirmações em eventuais cortes de edição. Assumido o compromisso, Eduardo Cintra Torres, 49 anos, cronista do Público há 11 anos, talvez o mais mediático crítico de televisão em Portugal – e o mais controverso – respondeu por mail à entrevista.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 23 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Vai de férias para sítios onde não haja televisão?
Ela pode lá estar, mas não a vejo.

Quantas horas reais de televisão vê por dia?
Horas reais no sentido de efectivas, cerca de duas. Horas reais no sentido de verdadeiras, de portadoras de autenticidade, talvez meia hora. Horas reais no sentido de programas com qualidade de realeza, só mesmo quando o rei faz anos.

Esse exagero faz de si uma pessoa particular? Porquê?
Julgo que o que me particulariza é precisamente ver pouca TV. Eu não quero escrever crítica de muita televisão, quero apenas escrever boa crítica de televisão.

Sente compulsão para ver sempre televisão, mesmo por aquela que sabe ser telelixo?
Compulsão sempre? Nem pensar. Só mesmo quando sinto que o programa merece ser abordado criticamente. Quando vejo programas que considero de pouca qualidade ou de que não gosto tento sempre encontrar ângulos de análise que tornem os meus artigos úteis e interessantes para os leitores. Alguns críticos confundem os dois planos, mas eu não escrevo para telespectadores, escrevo para leitores.

É possível ver televisão com prazer, sem pensar no que poderá escrever a seguir? Quer dar um exemplo?
Por obrigação profissional, vejo sempre TV como crítico, mas às vezes «desligo» mentalmente, para apreciar programas que me agradam: séries, bons documentários e informação, Simpsons, alguns programas musicais.

Já lhe aconteceu ter que se controlar para não intervir num programa em directo?
Já. Como qualquer espectador, senti o impulso de telefonar ou mandar correio electrónico. Mas nunca o fiz. Já tenho o meu espaço de intervenção pública através da crítica, não devo abusar nem roubar o dos outros.

E pedirem-lhe, na véspera de uma estreia televisiva: “Por favor, não diga mal”?
Nunca. De qualquer forma, não serviria para nada.

Ressaca quando não vê televisão durante algum tempo?
Depois de uma barrigada de má televisão sinto um vazio que só passa com silêncio, leitura, jardinagem ou uma boa conversa.

Mesmo com as óbvias compensações pessoais pelo exercício da crítica, sente que perde muitas horas de vida com a telerrealidade?
Muitas não, algumas. Mas também tenho ganho algumas, porque há momentos ou programas gratificantes, úteis, interessantes, bonitos. Não sou contra a televisão, pelo contrário, acho um media magnífico. Tem muita porcaria? Sim, mas nisso não se distingue da literatura, rádio, imprensa, internet, cinema, teatro...

Que filtro usa para não ser condicionado por aquilo que vê?
O filtro da crítica. Criticar é analisar, e analisar implica um afastamento para se tentar ver melhor. Além disso, estudo ou investigo os temas sobre os quais escrevo. Sem estudo nem reflexão não há crítica de qualidade, em qualquer área.

Quase deseja secretamente ter uma realidade tumultuosa para poder escrever artigos mais empolgantes?
Não desejo. Mas que quando ela aparece há um estímulo adicional, ai, lá isso há.

Recorde as suas violentas críticas à RTP no Verão incendiário do ano passado, a sugerir irradiações na direcção do canal. O desfecho do caso não o beneficiou...
Está a confundir frontalidade e profundidade de análise com violência. Nunca sou violento. De maneira nenhuma vejo esse caso como uma questão de ‘benefício’ ou ‘perda’ em termos pessoais. Alertei o país para o condicionamento político de um media. A partir dali, este governo, nem nenhum outro se safa tentando controlar os media sem que a sociedade esteja atenta e reaja. O país beneficiou com o alerta.

Acha então que prestou um serviço aos telespectadores?
Alertei-os para a forma como se estava a cobrir os incêndios na RTP. A RTP de imediato mudou a forma como estava a fazer essa cobertura. Portanto, os espectadores beneficiaram da mudança numa informação que estava a ser feita de forma incorrecta.

Que consequências teve o caso, do seu ponto de vista, para a Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC)?
Permitiu desmascarar a ERC como um instrumento do poder político que protege o governo nos momentos-chave. Ainda esta semana isso se reconfirmou. Devido ao caso dos incêndios a ERC ficou totalmente desqualificada. Hoje, na sociedade portuguesa só mesmo o governo lhe dá crédito.

É mais comedido agora?
Senti na pele o que é o autoritarismo do poder político e dos seus braços institucionais e empresariais. Quiseram calar-me, não tenha dúvida. Eu resisto, mas não é fácil, porque não pertenço a nenhum partido, maçonaria, opus dei, clube de futebol, mafia ou grupo de interesses. Sou um jornalista e autor independente.

Fica inimigo de quem critica mais violentamente?
Nisso estou como Marcelo Rebelo de Sousa: não me incompatibilizo com ninguém, as pessoas é que podem querer incompatibilizar-se comigo. Há pessoas que critico e com quem converso ou almoço de vez em quando. É assim que agem as pessoas civilizadas, sérias e democráticas. Não fico inimigo de ninguém.

Qual o Governo, dos que conhece enquanto crítico, que melhor desenvolveu manipulação através dos órgãos sob a sua tutela?
Em democracia, o actual. Ao pé deste, os outros foram meninos de coro.

Os seus textos, no Público, deixam passar muitas vezes a sua irritação. Isso não torna vulnerável a crítica?
É a primeira vez em 11 anos que me dizem isso. Estou em total desacordo. Não deixo passar irritação porque escrevo com enorme prazer, nunca escrevo irritado. Se o fizesse, os leitores castigar-me-iam não me lendo.

A opinião de um crítico pode ter tanto valor como um facto?
Não. Mas repare: os factos só existem no mundo da realidade, nos media só há versões dos factos, mesmo nas notícias. A análise de um crítico ou de um comentador pode valer tanto como outra versão de um facto. Por exemplo, o libelo «J’accuse!», de Émile Zola, teve um valor extraordinário, muito superior ao de muitas notícias sobre os factos que ele comentou no seu texto.

De onde vem o seu imenso interesse pelas técnicas de propaganda governamentais?
Vem do próprio trabalho de análise dos media. Como crítico, sinto como um verdadeiro dever mostrar aos meus leitores aspectos que eles não puderam notar, por não serem especialistas nem terem essa preocupação. Como a propaganda é uma actividade que esconde a sua natureza, sinto esse dever de a revelar publicamente.

Quem é que tem os críticos de televisão como arqui-inimigos?
Não sei.

O que gosta mais de escrever: as críticas que rebaixam (porque a isso o seu juízo o obriga) ou as que só louvam algo que já estava bem feito?
É mais gratificante para mim escrever sobre programas em que encontro qualidades. O «dizer mal» não faz o meu género, nem sequer o considero como crítica. Mas o que mais gosto é de escrever artigos que sejam úteis e interessantes, procurando que mesmo um mau programa de TV origine um artigo que valha a pena ler pelo seu contributo positivo para o conhecimento.

Em que circunstância pode assobiar para o lado se tiver uma opinião para dar?
Só me inibo de escrever se participo nos programas como autor. Por exemplo, escrevi um argumento para um telefilme (RTP), fui autor e co-autor de duas séries documentais (RTP), corrigi perguntas e respostas de concursos (RTP e SIC) e aconselhei a RTP em vários projectos ficcionais (2002-3). Sobre esses programas não escrevi, mas nunca deixei de escrever o que pensava sobre esses canais enquanto duraram essas colaborações.

Há quem defenda que o que se escreve sobre televisão é pior do que a própria televisão. Quer defender-se?
Não preciso de me defender, porque não me revejo nessa afirmação. Como disse, tento que seja ao contrário, que os meus textos sejam mais compensadores do que alguns maus programas sobre os quais escrevo. Mas não sou o único crítico de TV. Há de tudo na crítica, como na botica.

A televisão está hoje transformada num tribunal?
Os media sempre foram um espaço público de opiniões e, portanto, de julgamentos não judiciais. Há nos media julgamentos de opinião pública, que são legítimos. Mas um julgamento de opinião pública não é um julgamento de tribunal. O problema é quando um ou mais media se armam em substitutos dos tribunais na acção específica da apreciação correcta de todos os factos por parte de quem se pode defender e acusar livremente (com advogados) perante alguém imparcial que só deve olhar à lei (o juiz). Isso é o tribunal, e um media não o é.

Há hoje algum “Senhor Televisão”?
Não, e ainda bem. As ditaduras nunca foram boas.

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João Fernandes


"Permita-me duvidar das 800 mil visitas ao CCB"

Está em Aljezur, concelho algarvio emoldurado por mar e montanhas. E onde raras vezes consegue ter-se rede para atender o telemóvel. João Fernandes, director do Museu de Serralves, no Porto, desde 2003, conseguiu. Respondeu à entrevista por mail, mas deixou, cordial como sempre, o telemóvel às ordens.
[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 22 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Há pouco tempo, José Sócrates reuniu-se em Serralves com agentes artísticos do Porto convidados por si e uma artista plástica beijou o PM na boca. Achou graça, como atitude irreverente, típica de artista, ou ficou embaraçado?
Em primeiro lugar, os artistas não foram convidados por mim, mas sim pela Fundação de Serralves, a pedido do Gabinete do Senhor Primeiro Ministro. Em relação ao facto de que fala, sim, achei graça, se bem que só tenha achado graça, por o ter considerado bastante gratuito.

Gostava de ser uma espécie de Durão Barroso das artes, isto é, de abandonar Serralves para o topo da Europa a nível museológico?
Um museu demora bastante tempo a construir, mas pode também ser destruído muito rapidamente. Enquanto continuar a ter as condições adequadas para desenvolver o projecto de museu que estamos a construir em Serralves, jamais o deixarei a meio. No dia em que esse projecto seja estável no seu futuro, não comprometendo o que até aí foi realizado, terei o meu papel cumprido e poderei estar disponível para outros desafios. Há ainda muito para fazer até esse momento.

Não sente vontade, de vez em quando, de tirar férias do meio artístico. De fazer, por exemplo, turismo gastronómico ou assim uma coisa mais prosaica?
Muitos foram os artistas que, ao longo das últimas décadas, tornaram indistinguíveis as fronteiras entre a arte e a vida. Trabalhar com artistas não me impede de viver, propicia-me pelo contrário momentos de vida inesquecíveis. Alguns deles também são gastronómicos... Não gosto no entanto de ser turista, prefiro viajar em trabalho.

É director da instituição artística de maior sucesso no país, mas nunca aparece em notícias do social. Foge desse mundo ou esse mundo que não demonstra interesse por si?
Se esse mundo de que fala é o mundo das revistas sociais, claro que o evito, dado que ele em nada me interessa nem em nada se relaciona com o meu trabalho. Espero bem obter desse mundo a mesma indiferença que eu lhe dedico.

Imaginemos um projecto transversal arte-música, admitia convidar um artista pimba para Serralves como gesto contemporâneo?
Não sei o que é o "gesto contemporâneo" de que fala. Mais do que apenas a contemporaneidade, é também o experimentalismo que caracteriza a programação de um museu de arte contemporânea. Convido artistas pelo trabalho que fazem e não me parece que o contexto musical de que fala tenha o seu lugar de recepção ou de apresentação ideal no Museu de Serralves...

Incomoda-o que Serralves seja recorrentemente apontado como exemplo da vitalidade da cultura no Porto, servindo para encobrir a real ausência de vida cultural na cidade?
Serralves "não encobre" a "ausência" de vida cultural na cidade. Trata-se de um projecto que tem corrido bem, mas que não é tudo na cidade do Porto. Todos teríamos a ganhar se a vida cultural da cidade não fosse feita apenas de alguns oásis no deserto...

Diria que é a única instituição da cidade que o actual Executivo não consegue beliscar?
A independência do projecto artístico de Serralves é reconhecidamente uma das condições necessárias do seu sucesso. Felizmente, essa independência tem sido respeitada e reconhecida pelos contextos sociais portugueses, sejam eles económicos ou políticos. É sempre de lamentar quando outros projectos culturais não reunem as mesmas condições para o desenvolvimento do seu trabalho...

Rui Rio é uma boa desculpa para a preguiça dos artistas?
Não faço a injustiça ao Dr. Rui Rio de crer que ele seja desculpa para o que quer que seja. Não sei também de que preguiça dos artistas fala. Por vezes, a preguiça pode ser condição necessário do trabalho de um artista...

Disse que "o sucesso de um museu não é comensurável pelas estatísticas". Nesse caso, por que insiste em divulgar os números de visitantes?
Não trabalhamos para bater recordes de público, mas ficamos obviamente satisfeitos quando constatamos que o público acorre ao museu em grande número.

Reconhece que há alguma pressão para que uma exposição bata sempre o recorde da anterior?
Não, não reconheço essa pressão. A única pressão que tenho sentido é a dos jornalistas que me perguntam sempre qual vai ser a exposição mais visitada do ano ou estabelecem tais comparações a esse nível. Trata-se de uma pressão amável que não interfere em nada com a nossa programação.

Não são justamente os números que fazem com que Serralves tente equilibrar autores seguros com outros mais difíceis?
Confesso-lhe que não aceito a distinção entre "autores seguros" e "autores difíceis". No entanto, suponho que se refere ao facto de certas exposições com artistas já muito reconhecidos projectarem e ampliarem igualmente a curiosidade dos públicos em relação a outros artistas menos conhecidos. É um facto com o qual também procuro trabalhar.

O CCB de Berardo já conseguiu mais de 800 mil visitas. É, neste momento, o principal concorrente (se é que se pode falar de concorrência neste campo) de Serralves?
Onde foi buscar esse número? Permita-me duvidar dele, se bem que deseje ao Museu Berardo os melhores índices possíveis de públicos. É bom para todas as instituições culturais em Portugal o sucesso de outras instituições que operem no mesmo contexto. Serralves já terá contribuído e continuará a contribuir para criar públicos interessados em visitar outros museus, incluindo a Colecção Berardo. O mesmo acontecerá em relação a Serralves com o sucesso de visitantes dessa Colecção.

Diria que Joe Berardo é um coleccionador ou um comprador de arte?
É indubitavelmente um comprador de arte e um coleccionador. Falta-lhe ainda um ponto de vista que lhe confira uma identidade única e singular enquanto coleccionador, mas tal demora por vezes décadas a ser conseguido numa colecção particular.

O Público tornou esta semana pública uma polémica que existia apenas em circuito fechado. A sua intervenção no blogue foi, também, uma necessidade de se justificar?
Não, a minha participação nesse blogue procurou apenas contribuir para uma discussão que necessita ainda muito de continuar a ser desenvolvida no contexto artístico português. Neste contexto, assim como na generalidade da sociedade portuguesa, a discussão crítica e o confronto de pontos de vista diferenciados necessitam ainda de muito estímulo e pouco dramatismo.

Não estando nas competências do Museu abraçar o tecido artístico emergente, seria mesmo impensável criar uma espaço de experimentação que permitisse inverter o circuito, ou seja, facilitando a incursão dos artistas no tecido internacional?
Um Museu deve ser sempre um espaço de experimentação. No entanto, no que diz respeito aos artistas mais jovens, seria muito mais natural que uma instituição específica na sua programação se dedicasse a esse contexto. A identidade de um museu, incluindo a sua programação, é sempre também uma consequência dos objectivos da sua colecção. Defendo que um espaço de experimentação para artistas mais jovens não deva ser contaminado por esta questão da colecção, por exemplo.

Não é perigosa a ideia de que a falta de condições que sempre existe na cidade permite criar movimentos alternativos?
Essa constatação não é perigosa, é um facto. Um grande artista brasileiro, Hélio Oiticica, dizia: "Da adversidade vivemos...".

Num país tão reduzido, não é estranho que o Porto seja factualmente periférico em relação a Lisboa?
Nunca lhe aceitei nem reconheci a periferia...

O que distingue os talentos medianos dos verdadeiros?
Há quem pratique linguagens artísticas que repetem fórmulas já conhecidas, mesmo que sinceramente determinadas por emoções e intenções o mais respeitáveis possível e há quem faça o que não foi feito, ou quem o faça de uma outra maneira que nos permite acrescentar conhecimento ao conhecimento que temos, emoção às emoções que já sentimos, confrontarmo-nos com o que jamais imaginaríamos possível. Não gosto da palavra talento, mas suponho que a sua pergunta procura uma resposta como esta.

É verdade que não tem arte em casa? Nem uma peça?
Sim, é verdade.

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Joe Berardo


"Não sou tão importante como Gulbenkian, mas quase"

Em Portugal quase não há um dia em que não seja notícia. Joe Berardo, 62 anos, é o homem de que se fala: seja pelo CCB, pelo SLB, pelo BCP ou pela PT. Ao fim de três semanas de tentativas goradas, o comendador encontrou 15 minutos livres para responder à entrevista. Em português.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 21 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Está mesmo arrependido de ter dito “Fuck him” a Rui Costa ou acha que isso influiu no desempenho dele?
Continuo a achar que tenho razão. Se não o tivesse espicaçado, ele não teria marcado dois golos contra o Copenhaga. Há 14 anos que não fazia um jogo daqueles.

Acha que devia aplicar a estratégia à equipa inteira?
Se for para todos marcarem golos, acho que sim. As pessoas têm que ser motivadas.

A sua OPA ao Benfica fracassou. Hoje é um dia triste?
Não. As acções estavam a cair e não sei o que teria acontecido se eu não tivesse interferido. O meu objctivo – chamar a atenção para a marca SLB – ficou cumprido.

Veste-se de preto como os mágicos. O seu melhor truque é saber fazer dinheiro?
[risos] Não sei. O que sei é que sem dinheiro, a vida é muito mais difícil. E a cultura ainda pior.

É o quinto homem mais rico de Portugal. Não tem medo de ser assaltado?
Acho que não. Se vivesse em Angola, Venezuela ou Brasil, talvez. Em Portugal, não. E se fosse para viver com essa preocupação mais valia doar tudo o que tenho.

Se perdesse toda a sua fortuna começava do zero ou perdia a cabeça?
A única certeza que tenho é que um dia vou partir. Mas enquanto há vida, há esperança. Recomeçava do zero, obviamente. Já tantos portuguses o fizeram, e em situação tão mais difíceis.

Disse que nunca regressaria a Portugal. Regressou porquê?
As nossas raízes são como as mulheres: podemos dizer mal delas, mas se as amamos acabamos por voltar. Tenho com Portugal uma relação de amor-ódio.

Veio para ficar?
Ai isso já não sei.

Já pensou corrigir o seu português ou gosta mesmo de o misturar com o inglês?
Os meus negócios na África do Sul sempre foram feitos em inglês. Como não sabia o idioma, até em casa falava para aprender. Foi muito duro. É o hábito.

Portugal é um bom país para enriquecer?
Não, nada. É um bom país para trazer a fortuna.

Em terra de cegos quem tem um olho é rei?
Isso é um ditado antigo, mas que não tem nada a ver com a realidade. Não há sequer terras de cegos. Veja o número de europeus que vão para Angola à procura disso e veja o que lhes acontece.

Mas foi em África que cumpriu o seu sonho americano...
Mas foi porque levei uma ideia nova. Essa foi a minha vantagem sobre as outras pessoas.

Aparentemente, não há negócio que lhe escape...
... Escapam, escapam. Escapam muitos, infelizmente.

A TAP também poderia ser para si um bom negócio?
Já estive uma vez em negociações com eles. A TAP é uma companhia sólida. Ultimamente teve um management que conseguiu dar a volta àquilo, mesmo no meio de tantas dificuldades. Fez um bom trabalho. Achei que a situação da TAP era muito pior do que é.

Se as eleições legislativas fosse hoje, votaria em José Sócrates?
estePortugal precisa de um primeiro-ministro com a coragem dele para dar uma reviravolta ao páis. Se queremos acompanhar a competititvidade do mundo, temos que ter líderes como ele senão estamos tramados.

E escolheria Isabel Pires de Lima para a Cultura?
Temos opiniões diferentes em relação a muitas coisas. Mas considerando o dinheiro que ela tem, o trabalho não tem sido mau.

Disse que Mega Ferreira representa bem o intelectual portugués. Isso significa o quê?
Ele faz parte da fatia intelectual portuguesa; eu não sou desse clube. Acho que ele tem o seu valor. Compreendo que não goste da minha maneira de trabalhar.

Sente que o seu leque de inimigos de colarinho branco está a aumentar?
Não. Sinto que está a aumentar o meu leque de boas pessoas.

Vetou a OPA da Sonae à PT, travou o regresso de Jardim Gonçalves ao BCP, fez uma OPA ao SLB. Vê-se como o senhor OPA?
Não gosto de pessoas que perseguem o capital. Continuo à espera do dia que as pessoas percebam que o dinheiro não é tudo na vida.

Há cada vez mais pessoas à sua volta a pedirem coisas?
Isso foi sempre assim. Sempre toda a gente me pediu coisas. Ajudo muitos. Não sou tão importante como Gulbenkian, mas quase, no sentido em que tenho ajudado muita gente com bolsas de estudo.

É presenta assídua no CCB?
Vou sempre que posso. Já tivemos mais de 800 mil visitas. É uma marca inédita em Portugal e mesmo a nível mundial.

Ainda mantém as suas colecções de selos e caixas de fósforos?
Ainda. Ainda há pouco tempo estive a vê-las.

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Fernando Alvim


"Gosto de ficar a dever dinheiro no talho lá da rua"

Está de férias na Régua. Ao telefone diz preferir responder por mail, mas não tem a certeza se, em pleno Douro, conseguirá aceder à internet. Conseguiu. Fernando Alvim, 33 anos, mais de dez anos de currículo radiofónico e televisivo, continua a ser considerado um dos mais promissores comunicadores.
[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 20 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Tony Blair foi capa da última Men's Vogue; Caetano Veloso da última Rolling Stone. O primeiro foi melhorado pelo Photoshop para parecer um homem saudável; o segundo surge com rímel e outros adornos femininos, vá lá saber-se porquê. Qual inveja mais?
O Caetano Veloso, porque está a atravessar a fase “ Ney Matogrosso” e toda a ajuda é pouca. Para além disso, penso que não haverá dúvidas em relação à diferença de notoriedade das duas publicações, a men’s vogue é uma espécie de “ Ana + atrevida” a Rolling Stone é para homens com barba rija. Sem rímel, portanto.

Supostamente, Freud nunca conseguiu responder à pergunta: "O que quer uma mulher?". E você?
Não consegui e suspeito que quem o conseguir se torne rapidamente milionário por tamanha descoberta. As mulheres conseguem estar ao telefone e escrever uma carta no computador ao mesmo tempo, aposto que neste momento estará uma mulher a ler este inquérito e a jogar vólei no mesmo instante. E isto é estranho. Muito estranho mesmo.

De acordo com um inquérito da match.com, sete em cada dez solteiros vão de férias convencidos de que encontrarão o par ideal. É com esse espírito que parte de férias?
Não, na verdade, faço exactamente o contrário, só procuro a mulher ideal durante os meses em que trabalho, porque nas férias procuro uma mulher que não seja ideal. Gosto de me meter com uma boa galdéria com nomes tipo Josefina, Ivanka e Jurema. Tão bom, tão bom.

No livro "No dia em que fugimos tu não estava em casa" revela-se um pinga-amor. É um romântico?
É bem verdade, sou o Vítor Espadinha dos tempos modernos, só que não trago nos olhos a luz de Maio nem nas mãos o calor de Agosto embora reconheça que sou um 30 de Fevereiro de um ano por inventar.

Também é um daqueles homens que não entende por que razão as mulheres gostam do Dr. House?
Porque pensaram inicialmente que o “Doutor Casa” falava de casamentos e da forma como poderiam planear a cerimónia. As mulheres adoram estas coisas, ver os vestidos de noiva, o tapete vermelho para a entrada, confétis, comprar alsa drink, enfim. Pensavam que era isto e quando perceberam que não era, já era tarde demais, o “Doutor Casa” não casando ninguém tinha até já desfeito alguns casamentos e sem que notassem, tinha-se tornado um vício.

Aos 24 anos foi viver e trabalhar para Lisboa. Foi a sua sorte?
Não, foi precisamente ter vivido no Porto até aos 24.

A maior parte dos colegas que no início dos anos 90 esteve consigo na Rádio Press são hoje jornalistas. Lamenta por eles ou por si?
Logicamente, lamento por eles e por todos os meios de comunicação que os acolheram. Juro, que fiz tudo para impedir que tal acontecesse.

Não faz nada sem meter uma piada pelo meio. E se deixarem de lhe achar graça?
Como assim? Eu pensava que isso já tinha acontecido. Querem ver que não.

A popularidade é um vício?
Não, é uma consequência do teu trabalho e da tua exposição. Podes ser popular por boas ou más razões, agora que me lembro, há em Portugal um partido popular sem razão nenhuma.

O "Boa Noite Alvim [Sic Radical] é a uma tentativa de fazer um programa mais sério?
Não mais sério, mas sim mais adulto o que não é a mesma coisa. Não apresento programas em busca de alguma suposta seriedade, pelo contrário, gosto de ficar a dever dinheiro no talho lá da rua e roubar maçãs a merceeiros distraídos. Gosto de ser visto como um bom malandro.

Nesse programa, a actriz brasileira Bruna Lombardi disse que "fala demasiado para seres misterioso". Considerando que as mulheres gostam de homens misteriosos, vai corrigir a trajectória?
Não sou misterioso, não tenho segredos, falo demasiado, mas uma vez uma prima afastada disse-me isto “ óoo cara linda , óoo cara linda!” enquanto me dava estalos na cara a um ritmo de 50 por minuto. Querem melhor coisa do que isto?

Esteve seis anos à frente do Curto-Circuito [Sic Radical]. Se tivesse que traçar o perfil dos adolescentes de hoje, com base nesse programa, diria que é uma geração rasca?
Não é uma geração rasca, nem à rasca, nem de desenrasca. É uma geração que ainda não teve o tempo suficiente para mostrar o que vale mas vai fazê-lo o quanto antes. Os miúdos são agora mais inteligentes porque crescem mais cedo, porque passam pela pré-primária e chegam à primeira classe a saber contar e até a ler. Vi outro dia uma criança de 4 anos a falar e ler correctamente inglês e fiquei impressionadíssimo. Só mais tarde, percebi que se chamava martha stewart e era inglesa.

Em "O Perfeito Anormal" [Sic Radical] descobriu Ricardo Araújo Pereira e José Diogo Quintela. Sente-se uma espécie de Júlio Isidro?
Sim mas não só. Sinto-me uma espécie de Júlio Isidro mas também um pouco de Luís Pereira de Sousa, de Demis Roussos, de Totó Cotugno, de Vítor Espadinha, de Eládio Clímaco, de Júlio César, de Anthimio de Azevedo. A este propósito, aproveito para dizer que amanhã o céu estará pouco nublado ou limpo com rajadas de 100km/hora a norte do cabo da roca.

E no Festival Termómetro Unplugged descobriu os Ornatos Violeta e os Silence 4. Reclama gratidão ou vive bem sem ela?
Reclamo gratidão e eles telefonam-me várias vezes por dia a dizer obrigado. É assim há muitos anos e por vezes já quase nem falamos, o telefona toca, eu atendo, digo: Estou! E do outro lado ouço apenas: Obrigado!

Voltando à televisão, é para Nuno Markl [com quem dividiu "O perfeito anormal"] o que Jardim Gonçalves era para Paulo Teixeira Pinto?
Talvez, mas com menos dinheiro, menos idade e o melhor de tudo, sem o Joe Berardo pelo meio.

Consegue realmente apreciar o programa do Rui Unas na Sic Radical?
Não vejo televisão desde o tempo em que o Mário Crespo era correspondente da RTP em Nova Iorque e a Vera Roquete apresentava o “Agora escolha”. Estamos conversados?

Qual é a motivação para continuar a editar a revista 365, que só tem cinco mil exemplares e o faz perder dinheiro?
A certeza de que um dia serei condecorado pelo presidente da república e a esperança de um dia entrevistar Manuela Eanes, que para mim, fez por um produto o que muitas mães não fazem por um filho. O produto é: A Laca.

Nessa revista, entrevista ícones datados como a menina que fazia a publicidade do "comboio que vai com o Pai Natal ao circo". Como foi essa experiência?
Foi óptima e valeu também pela sessão fotográfica. Fui para a estação de Sta Apolónia vestido de coelhinho e foi com esta indumentária que tratei de convencer o chefe da estação a fazer uma sessão fotográfica numa das carruagens do comboio, juntamente com o Pai Natal e a miúda que agora tem a minha idade. Eu acho que eles estavam convencidos que íamos fazer um filme porno dentro da carruagem e não fácil convencê-los. As imagens em breve poderão ser vistas no sexyhot. Ou talvez não.

Além da rádio e da televisão, é DJ. Não acha estranho que lhe paguem no país inteiro para passar a música do dartacão e outras pérolas semelhantes?
Acho, acho mesmo muito estranho mas existem pessoas para tudo, até mesmo para me ouvirem a passar música. Eu bem lhes digo no inicio das minhas actuações para não perderem tempo, para se recolherem aos lares mas não adianta muito. As pessoas querem ouvir o dartacão, o tom sawyer, a abelha maia e o loveboat. Sinto-me impotente, felizmente, só nesta situação.

"Eu tenho uma ideia" é talvez a frase que mais vezes o ouvimos repetir. Tens mesmo facilidade em vender tudo o que te passa pela cabeça?
É verdade que “eu tenho ideia” é uma das minhas frases mais repetidas. Na infância era “ Ainda falta muito” que eu repetia exaustivamente nas viagens longas e já na adolescência “ Pai empresta-me dinheiro!” figurava na primeira posição. De resto, ter uma ideia não significa que a iremos vender. Com verdade, não tenho jeitinho nenhum para o negócio.

É verdade que tem vocação para ser roubado?
Não, o que me parece é que há muito gente com vocação para me roubar.

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Pedro Santana Lopes


"Cada vez se demora menos tempo a ir às boxes"

Atende o telefone e aceita impulsivamente responder à entrevista. Só depois é invadido por algumas dúvidas: sobre o formato, sobre eventuais rasteiras. Pedro Santana Lopes, 51 anos, ex-Primeiro-Ministro de Portugal acaba por superá-las. Troca um dia de praia pelo computador. Às 19.30 em ponto, como prometeu, enviou o mail.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 19 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Ser Primeiro-Ministro foi a fase menos divertida da sua vida?
Estar como Primeiro-Ministro é um permanente exercício de responsabilidade. Não é suposto fazer uma avaliação com base no critério que resulta da pergunta. Uma campanha que com pouco tempo mais, ficará clara quanto aos seus autores, quis convencer os Portugueses de que era outra a minha maneira de estar. Estão alguns a começar a responder em Tribunal.

Ao seu caso aplica-se o ditado: "Atrás de mim virá quem bom de mim fará"?
A comparação não tem sentido por várias razões. Eu assumi essas funções numa situação de emergência e não tive o tempo mínimo para ter resultados próprios, a não ser assegurar o respeito pelos nossos compromissos e garantir que 2004 fosse, como foi, um dos melhores anos desde o princípio da década.

Também acha que alguns dos episódios protagonizados por José Sócrates teriam sido inflacionados em termos mediáticos se tivessem sido protagonizados por si?
A sua pergunta já contém a resposta. Mas não compare só comigo. Conhece alguma Democracia onde não seja falado o local e o tempo de férias do Primeiro-Ministro ou Chefe do Executivo? Veja Espanha, Itália, Inglaterra, França, Estados Unidos. Quem acompanhe, como eu a Imprensa desses Países sabe o que se tem passado durante estas semanas com esses líderes políticos. E o que é mais inacreditável é que exercemos este semestre a presidência da União Europeia. Estejam os serviços em Bruxelas mais ou menos de férias, nós não devíamos desperdiçar nem um dia.

Qual é o melhor antidepressivo para o PSD: Mendes ou Menezes?
O PPD/PSD tem de viver sem comprimidos. Não pode viver deprimido. É contra a sua natureza. Gosta de se sentir bem consigo próprio, de sorrir mesmo na luta. A campanha para as legislativas em 2005, mesmo naquelas condições tão difíceis, é inesquecível para os militantes e simpatizantes. São eles que o dizem quando me encontram, ou nos muitos mails e cartas que me enviam constantemente.

As eleições intercalares em Lisboa deram-lhe mais vontade de rir ou de chorar?
Sabe quando algo mexe tanto connosco que ficamos sem vontade de dizer seja o que for? Até agora ainda não me passou. Só digo que é algo sem precedentes: um partido ter o Governo do País e da sua capital e vários dos seus militantes fazerem tudo para derrubar ambos. Conhece outro caso?

Gostava de ter uma mulher com a personalidade de Ségolène Royal no seu partido?
Gostava que muito mais mulheres se interessassem pela política activa sendo iguais a si próprias.Se me pergunta o que penso de Segoléne Royal, apreciei mais o que fez até à fase pós –presidenciais em que, com ela e com o marido, houve demasiada confusão entre o que é a vida pessoal e o que é a intervenção política.

Que comentário lhe merece a dispensa de Dalila Rodrigues do Museu Nacional de Arte Antiga?
Tenho pena que não tenha podido continuar o seu bom trabalho.

Diz ela [a Dalila] que "se é comum dizer-se que a cultura é de esquerda, a culpa é da direita". Concorda?
A Cultura nunca foi, não é, nem será só de “Esquerda”.Pensar isso é estar a falar de outro conceito e de outra realidade que não a Cultura.l Essa hipótese mais não é do que um absurdo.

O governador de Nova Jérsia, Jim McGreevy, planeou minuciosamente o sound byte "Sou um americano homossexual". O seu "Vou andar por aí" também foi calculado?
Não. Escrevi umas notas sobre o que queria dizer pouco antes de começar a minha intervenção nesse Congresso de Pombal. Mas a importância que sempre foi dada a essas palavras foi a melhor confirmação de que Churchill tinha razão quando disse que há várias vidas na política. Mas quando voltamos não nos podemos negar a nós próprios. Temos de saber muito mais e de demonstrar que aprendemos e tirámos as lições das vivências anteriores.

'Anda por aí' ou ainda está nas boxes?
Se vir a política como uma prova de Fórmula 1,é impressionante como cada vez se demora menos tempo a ir às boxes. Mas não se deve regressar á pista antes de o reabastecimento terminar. E deixar passar quem quer e pode voltar primeiro.

"Menino guerreiro" é a melhor definição que encontra para si?
Não. Nem pensar. Nem “Animal feroz”.

O piano é o sítio onde pendura a solidão?
Onde encontro serenidade e onde fortaleço a motivação. Sempre prometi a mim próprio que aos quarenta anos começaria a estudar piano. Estudei anos iniciação musical na Fundação Gulbenkian desde os cinco anos. E depois mais outros quatro anos estudei violoncelo. As aulas de solfejo com a Professora Vitória Reis facilitaram a leitura das músicas que tenho aprendido a tocar.

O whisky é, como dizem, o melhor amigo do homem. Ou são as mulheres?
Bebidas o melhor amigo? Nunca. Sempre bebi muito pouco. Quanto ás mulheres, em amizade, há de tudo. Como com os homens.

A esta distância, sente que foi demasiado benevolente com Durão Barroso, no seu livro "Percepções e Realidade"?
O melhor critério para avaliar a boa fé daqueles com quem partilhei esse período é o seu comportamento posterior. Não tenho razão para mudar o meu pensamento sobre Durão Barroso.

Tê-lo escrito quer dizer que tem boa memória ou que tem um Diário?
Dizem que tenho memória de elefante. E tomo muitas notas sobre aquilo de que não me quero esquecer. Mas faço-o, muitas vezes, à frente das próprias pessoas.

Sentiu-se pacificado depois da sua publicação?
Senti. Mesmo. E por ter constatado como falharam rotundamente todos os que se preparavam para o tentar descredibilizar, tentando equipará-lo a outro(s) de estilo e propósitos bem diferentes. Mas o livro estava muito assente numa fundamentação rigorosa. Como não o conseguiram desmentir, calaram-se. Teve quatro edições ,até agora, e hão-de reparar como apesar de ter vendido, em dois meses, quase vinte mil livros, deixou de aparecer…

Praia é na Figueira da Foz ou no Algarve?
A Figueira da Foz tem várias e bonitas praias, não só a da Claridade ou a de Buarcos. Quiaios, Cabedelo, Lavos, Leirosa,por exemplo.Como o Algarve tem muitas e distintas. Quer as da Figueira, quer as do Algarve, são imperdíveis.

Qual é o seu prime-time de um dia em férias?
Férias são férias. Não há nem prime nem second-time. Mas a hora do jantar tem um sabor especial.

Defenderia para Portugal a hora da sesta espanhola?
Defendo que a produtividade passe a ser cada vez mais próxima da à de Espanha. Nunca mais deixamos a casa dos 60% da média da União Europeia.

Os desfiles de moda são um happening que visita por cordialidade ou é um fashion victim?
Nem uma coisa nem outra. Gosto, mas não obedeço às modas. Embora faça por as conhecer. E, se me distraio, há sempre quem me informe. E respeito quem se esforça por se impor num sector que, num País como Portugal, tende a dar mais valor ao que chega de fora das nossas fronteiras.

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José Cid


"Tenho melhor currículo do que a ministra da cultura"

Atende o telefone no carro, a caminho de um concerto. José Cid tem 65 anos, mas os anos não parecem ter passado por ele. Responde à entrevista com a bravura de sempre. Mas ressalva: "Não contesto; constato". E nem reclama por ele, assegura. "Defendo os interesses de um colectivo".

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 18 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

É mesmo homofóbico?

Não critico a sexualidade de ninguém, mas não me atirem essa diferença à cara. Heróico não é dois homens casarem; heróico é um casal lutar neste sistema político de merda para sustentar os filhos.

Nos anos 90, posou nu para a capa de uma revista. Voltaria a fazê-lo?

Não posei nu, tinha um disco de vinil à frente. O meu número de fãs aumentaria muito se tivesse sido nu integral. Tenho um corpinho invejável. Só o meu espelho e poucas pessoas o sabem.

Na altura, fê-lo para constestar a ausência de música portuguesa nas rádios. Está satisfeito com a nova lei?

As pessoas que fazem as playlists nas rádios pretendem ser mais vedetas do que os próprios criadores. O meu recente ábum "Pop rock & vice versa" podia passar em qualquer rádio do mundo e não passa em nenhuma rádio em Portugal.

Ainda hoje se fala desse nu. Portugal é um país pudico?

É um país de voyeurs. Fui à televisão por causa disso. Em "A noite da má língua", Miguel Esteves Cardoso disse que eu precisava ser reciclado. Respondi: "Eu ainda me escondi com um disco. A ti, se calhar, bastava uma caneta".

Depois da ausência teve um regresso mediático. Foi a cereja no topo da carreira?

Não estive ausente. Gravei álbuns nos anos 90 que aconselho as pessoas a procurarem. Em 2000 houve um 'comeback' porque as novas gerações descobriram que havia uma obra boa a ser ignorada.


Também parece seduzir uma imensa fatia de "tias"...

Gostam de mim. Foram educadas a ter bom gosto. Não as recuso, como não recuso as pessoas humildes que me seguem pelo país.

Ainda gostava de ser ministro da Cultura?

Tenho melhor currículo cultural do que o da actual ministra. E no PS há homens – Manuel Alegre ou Mega Ferreira – melhores do que ela e nunca foram nomeados.

Carmona Rodrigues assistiu ao seu concerto no Maxime. Votou nele para Lisboa?

Não sou republicano. Defendo um sistema monárquico como o espanhol. Eles defendem intransigentemente a sua cultura. Nós somos muito abertos ao que vem de fora.


O que é ser monárquico e anarquista numa República?

Não sou anti republicano; não sou é republiqueiro. E isto parece a república de bananas. O ministro da Saúde não fala com médicos; a ministra da cultura não é culta; a da educação não dialoga com professores. E o Primeiro-Ministro não vai a manifestações populares para não se misturar com o povo. Não é sistema de que goste.

Há frases suas para a posteridade: a de Madonna ou Elton John. É o rei dos sound bytes?

É uma forma de chocar as pessoas. De dizer: "Portugal tem identidade própria. Não façam misturas". Não sou o Elton John português. Já tocava piano e cantava antes dele aparecer. Alguém imagina os Rolling Stones a nascerem em Almada? Ou o Júlio Iglésias a nascer em Penafiel? É óbvio que não teriam tido a mesma carreira.


Há frases de que se arrependa?
Uma única: "Como um macaco gosta de banana eu gosto de ti.

Em que circunstâncias ameaça abandonar o palco?

Como não tenho uma máquina que põe 10 gorilas à frente do palco, às vezes, ele é invadido por miúdos aos gritos. Sem condições não canto. Mas também não amuo. Retiro-me e volto depois.

Tony Carreira é o seu ódio de estimação. Porquê?

Não é da pessoa que não gosto. A minha empregada até acha que ele é lindo. Mas não é justo que ocupe o espaço que deveria ser preenchido com os cantores que, em Portugal, têm uma poesia e estéticas fabulosas. Ele não faz música popular; faz música populosa – um misto de popular e piroso.

A que estrela pop portuguesa daria aulas de música?

A todos os que cantam em inglês sem saber inglês. Pelo menos, entreguem a ingleses, que pensam em inglês, os seus monstros poéticos. Os Gift e o David Fonseca tiveram mais sucesso a cantar em português, a língua de Torga, o tal que a ministra esqueceu. Uma vergonha.

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Francisco Moita Flores


"PSD pode acabar do tamanho do Bloco de Esquerda"

Gastou o dia apassear pelas feiras e romarias de Santarém. Francisco Moita Flores, 54 anos, escolheu viver ali; as pessoas escolheram ser conduzidas por ele. Só no fim dos seus deveres de autarca, atende o telefone. Escritor e investigador responde em 29 minutos fazendo sempre a apologia da terra.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 17 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Já lhe aconteceu ver a sua vida no cinema?
Cenas da minha vida talvez, mas a minha vida não. Acontece-me ver policiais e pensar: isto já me aconteceu.

Que episódio da vida nacional gostaria de adaptar?
Há vários. Gostaria muito de fazer uma série sobre crianças desaparecidas.

Vai realizar em Setembro o primeiro festival de making-offs do mundo. De onde veio a ideia?
De um realizador amigo, Jorge Paixão da Costa. O Francisco Bravo Ferreira (produtor) deu-lhe corpo. No mundo há muitos festivais de cinema a mostrar o produto final e nenhum a mostrar as entranhas. Daí ter apadrinhado a ideia.

Santarém é o melhor palco para esse festival?
É o melhor palco do país para qualquer iniciativa de índole cultural, porque está perto de tudo. Só alguma distracção leva as pessoas a não perceberem isso. E as pessoas andam tão distraídas que até fizeram a ponte de Benavente para que as pessoas que vão do Norte para o Algarve passem o Tejo. É justamente para que essa distracção não continue que estamos a dar este impulso a Santarém, transformando-o num pólo cultural e turístico. Num ponto de encontro.

Do ponto de vista da receptividade do seu trabalho, pensa mais nos leitores ou nas audiências televisivas?
Os livros estão no livre arbítrio dos leitores. Daí ser muito saboroso saber que sou lido. O meu último livro, “A fúria das vinhas”, que saiu em Abril já vai na sétima edição. Do ponto de vista da televisão, o problema é saber que um tem que agradar a todos sem perder o sentido de dignidade da ficção. Preocupa-me esse equilíbrio, que não é fácil de conseguir, sobretudo porque é um jogo interno muito forte.

Os nus que aparecem nas suas séries são uma cedência para obter audiências ou uma inevitabilidade para ser fiel à história?
Escrevi duas séries hardcore muito perto uma da outra. Séries audazes – Ballet Rose e Capitão Roby – que tinham nus e sexo, e outras séries – João Semana, Ferreirinha – onde isso não existia. Admito que alguma inveja e despeito possam ter criado essa ideia, que não corresponde de todo à verdade. Não tenho nenhum apetite especial por isso, embora também não tenha nenhum preconceito em relação a isso.

O ICAM ainda funciona ou está moribundo?
Apesar de tudo o que se diz do ICAM, tem sido a sorte e o principal veículo da produção e da ficção portuguesa, principalmente cinema. Conheço essa história da lei de televisão há 30 anos: não há nenhuma lei da televisão e cinema que não seja posta em causa, que não suscite críticas. Mas, o que é certo, é que se formos a avaliar o passado do nosso país em termos de produção, devemo-lo a televisão e ao ICAM. Nunca tivemos produtores privados interessados em desenvolver esta indústria. E daí que não faça parta da galeria dos críticos eternos. O ICAM tem tido um papel, com os seus defeitos e erros, importantíssimo na nossa vida pública. Não o vejo como o pior dos instrumentos; vejo-o como fundamental.

Não teria sido o escritor que é hoje se não tivesse sido polícia?
É verdade. Posso dizer que as experiências vividas e os olhos com que vi o mundo são outros diferentes do cidadão comum. Obriga-nos a controlar a emoção e, ao mesmo tempo, a distanciar-nos dela. E a ser testemunha dos limites do sofrimento, da tragédia. Esse olhar é decisivo na medida como entendo o outro, a escrita, os leitores.

Escrever é, também, uma forma de fazer justiça?
Não, não tenho essa visão justiceira da minha escrita. Preocupo-me com a memória, com o que é importante retermos e sobretudo com o que é importante não esquecermos. Não acerto contas com ninguém, nem com o passado, nem com a vida.

O segredo de justiça, em Portugal, é uma espécie de Pai-Natal?
O segredo de justiça em Portugal é muito mal tratado, mas também nunca houve vontade de o tratar bem. Não sendo o pai natal, é um instrumento jurídico que há muito deveria ter sido repensado. Temos o exemplo do caso Madeleine a demonstrar que era preciso repensar todos os mecanismos da sociedade e a forma como as polícias se relacionam com os media. Colaborei na primeira tentativa de o fazer com os “Casos de polícia”, mas não estávamos preparados para isso. Temos ainda uma mentalidade muito corporativista. É preciso coragem para discutir o segredo de justiça porque não faz sentido estar como está.

Tendo saído da Polícia Judiciária, como justifica que seja a pessoa mais solicitada para comentar o caso Maddie?
Não sou seguramente. Nos momentos cruciais do caso estive fora. Quando rebentou estava na Grécia, e na segunda vaga de informação estava na Madeira. Só esta semana apareci mais.

Mas comentá-lo significa que não consegue desvincular-se do que já foi?
Houve alguém que, de forma muito infeliz, disse que era ridículo um presidente de Câmara comentar isto. Mas eu estou autarca; não sou autarca. É um estado que deixará de existir daqui por uns tempos. Vou continuar ligado aos meus estudos, à minha vida, e não faço intenção nenhuma de ignorar a realidade do ponto de vista do estudo, da avaliação, da medição dos problemas, porque um dia vou voltar à minha vida. Não sou um desses presidentes de Câmara, como temos por aí muitos, que ficam até que as morte os leve. A minha vida é ajudar, investigar. Ser autarca é apenas um contributo de cidadania durante um período da minha vida. Não sou político profissional, nem quero sê-lo. Acompanho estes casos com muita atenção porque são parte do passado mas também do futuro.

Está chocado com os títulos que têm saído na imprensa sobre o caso?
A comunicação social inglesa perdeu definitivamente a cabeça. Há ali um ataque de histerismo colectivo que pôs em causa todos os mitos e todos os lugares comuns, nomeadamente o dos jornais ditos de referência. Não são referência de nada, estão comprometidos ideologicamente como os outros. O que se tem dito, sobretudo os jornais ingleses, é uma coisa perfeitamente inacreditável. Sobretudo quando há aqui um paradoxo: sabe-se que a polícia inglesa tem tido uma colaboração e uma dedicação extremas em relação à investigação. Suponho que os próprios polícias não estejam nada satisfeitos com esta mixórdia que tem saído e que não leva a nada a não ser a vender papel. Não informa, não diz a verdade, mente, manipula. Já não me magoa porque já tinha assistido a coisas destas.

Posso perguntar-lhe qual é a sua convicção em relação ao desfecho deste caso?
Pode. Mas eu não posso responder.

Destronou o PS em Santarém. O PSD é hoje o partido mais próximo da sua família política?
Nunca derrotei o PS. Isso é uma forma de representar o poder local na qual eu não acredito. Uma das instituições que mais precisa de ser revista, e não é apenas com a lei das finanças locais, é o poder local. Está decadente, com grandes dificuldades, completamente amarrado de pés e mãos, não só à partidarite, como a visões excessivamente concentradas e agarradas às visões centralistas. O poder local tem que estar liberto dos aparelhos dos partidos e atento e próximo da região. Isso, na maioria das vezes, é completamente subjugado às estratégias nacionais dos partidos. É doloroso para as populações viver com este estado de espírito.

Está desiludido com a vida política portuguesa?
Muito desiludido. Agradeço ter ganho as eleições porque vivi uma experiência única na minha vida, que é ter a capacidade, que nunca tive, de poder ajudar as pessoas de perto. Só o poder local tem esta capacidade. Há injustiças e dramas humanos que nos revoltam, que nos colocam perante um mundo de sofrimentos, de angústias que vão muito para além do que é a retórica formal dos partidos. Portanto, nem o PS perdeu, nem o PSD ganhou. Quem perdeu foi o grupo de pessoas que aqui estava.

Quem defenderia para o PSD: Mendes ou Menezes?
O PSD tem que mudar drasticamente. Está a viver uma das maiores crises da sua existência e corre o risco, se não parar, de acabar do tamanho do Bloco de Esquerda. Se o PSD tivesse caído, mas víssemos o CDS ou outro partido subir havia outro tipo de expectativa em relação a mudanças no estado de coisas. Mas isso não se verifica. Nem o PSD consegue responder à política desastrosa deste Governo em relação ao que são os direitos fundamentais das pessoas, como estamos aqui entalados. Aliás, as eleições à Câmara de Lisboa mostram isso na sua plenitude: por mais discursos que haja ninguém consegue mudar a política. A chegada, e mesmo a valentia, de Menezes, que fala e protesta, são saudáveis e interessantes neste confronto.

Será com ele que isto vai mudar?
Não sei. Mas gosto que tenha assumido essa posição de coerência e maior percepção do problema.

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Miguel Ângelo


"Só em Portugal uns gozam com o sotaque dos outros"

Aproveitou a boleia dos concertos a Norte para fazer escala no festival de Paredes de Coura. Não foi exactamente um acaso. Miguel Ângelo, pouco mais de 40 anos, agenda os seus concertos em função daqueles aos quer assistir. E queria muito ver Pete Doherty, ex-namorado britânico de Kate Moss. O vocalista dos Delfins não passou invisível no Minho.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 16 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Tem um chapéu igual ao do Pete Doherty. Veio a Paredes de Coura só para ver o vocalista dos Babyshambles?
A aba do meu chapéu é mais curta [risos]. Mas sim, vim só por causa dele.

O que há de comum entre os dois?
Se calhar, uma paixão por uma cultura inglesa que vem muito dos anos 70 e que tem a ver com a onda Mod. Tem a ver com uma música intemporal. E não é só a música, é a atitude: as roupas, o design, a pintura, os vídeos. Um imaginário muito rico que hoje se espalhou por todo o mundo. Em Portugal, por estranho que pareça, está a crescer também.

Ia perguntar-lhe justamente se continua a ser fã dessa cultura Mod?
Claro. E é engraçado porque enquanto estava no jazz na relva à espera do concerto dos Babyshambles encontrei vários adolescentes fãs dessa cultura, e acabámos a trocar contactos para organizar em Outubro talvez a primeira festa de Mod a sério na cidade do Porto. Já houve algumas em Lisboa, mas no Porto penso que ainda não. Ainda são festas elititas, não são para grandes multidões. São para quem partilha os mesmos ideais, os discos de vinil e as mesmas ondas.

Continua a comprar vinis?
Sim, sim. O novo disco dos Delfins será editado com uma edição limitada de 500 exemplares em vinil, em meados de Setembro. Nesta altura em que o digital banalizou tanto as canções com o formato MP3, o vinil acaba por ser um tesouro para os coleccionadores.

Continua a marcar as suas férias em função dos concertos que quer ver?
Sim, claro. Dos concertos que quero ver ou dos concertos que faço. Consegui vir a Paredes de Coura porque tive vários concertos no norte e acabei por ficar cá. E agora vou uma semana de férias para o Algarve porque vou actuar em Monte Gordo. Acabo por ser um escravo da minha actividade. Mas eu gosto.

O que leva a alguém a aprender a tocar guitarra aos 40 anos?
Querer ser ind(i)ependente.

Ao fim de quase 25 anos, como é que os elementos dos Delfins ainda conseguem aturar-se?
Quando entramos na carrinha, quando estamos a jantar, quando estamos em palco continuamos a ter a mesma idade. Às vezes, o problema é só mesmo nos intervalos, porque as pessoas acabam por ter modos de vida diferentes e diferentes opções estéticas. Mas a magia da sala de ensaios, da garagem, continua a acontecer nos nossos palcos. E enquanto isso acontecer vamos continuar.

Os Delfins transformaram-se no alvo preferencial do humor em Portugal. Como lida com esse estigma?
Isso foi despoletado por dois ou três tipos do stand up comedy e depois acabou por pegar moda. Neste momento, até já está a ser um bocadinho invertido. É aquela história dos diários de Andy Warhol, não é? É melhor ser falado do que não ser. E nós continuamos a fazer muitos espectáculos ao vivo e a viver muito dessa actividade e a ser muito alimentados pelo apoio que recebemos. Portanto, isso para nós acaba por ser um fait-diver, porque eu sei que os humoristas precisam de material para actuarem. Não posso nunca levar isso a mal.

Há quem idolatre as letras e quem não as suporte. Como gere esse confronto?
Eu próprio sou fã de música e tenho essa atitude em relação a muitas bandas. Aqui, em Coura, por exemplo, vi concertos com algum preconceito e gostei; outros, vi-os com expectativa e detestei. Portanto, eu sei o que é levar as coisas a peito. A nossa actividade e arte em geral vive das pessoas que levam as coisas a peito. Não me interessa muito o lado racional. Não levo nada a mal pessoas que odeiam ou as pessoas que gostam. Aliás, já tenho falado com muitas pessoas que odeiam e acabamos a beber um copo juntos e a perceber que afinal temos gostos comuns. O que torna esta área diferente da economia é que realmente as pessoas levam as coisas a peito e agem um bocadinho irracionalmente. Gosto disso.

Tendo apurado gosto musical como explica que muitas das suas canções não acompanhem esse critério de gosto?
Sempre houve um sentido de globalização nos Delfins, quase como um dever de profissionalização em relação a ter uma actividade profissional neste país, fazendo uma música de que não nos envergonhemos, que gostamos e que queremos que chegue a mais algum lado. Sempre recusamos ter a música como segunda actividade, o que é muito comum em Portugal. Há músicos que têm a sua profissão e depois dizem que se sentem livres para comporem o que entenderem. Sempre fomos contra isso. Eu penso a música como um sentido apurado de trabalho ao longo dos anos e que só é possível com dedicação a tempo inteiro. Somos dos poucos, em Portugal, ainda apaixonados pela canção pop. Os Delfins têm feito isso com óptimos resultados. Em canções como "A baía de Cascais" ou "Lugar ao sol" que duram há mais de 20 anos, pode questionar-se o valor de gosto de alguém que diz que é mau, mas nunca o valor da canção como estrutura que ficou na História.

Tendo aderido a dada altura ao punk, por que nunca perdeu o visual de menino da linha de Cascais?
Alguém se referiu ao Pete Doherty como um "betinho com ar drogado". Achei piada. A grande lição de final do século XX é que o importante são as ideias, não a estética. Em Cascais sempre houve uma grande rivalidade entre o betinhos da Cascais – nós - e os da Av. de Roma - os Xutos. Mas isso só existe nesse eixo. No Porto nunca nos chamaram betinhos.

Entre o músico e o escritos onde fica a pessoa?
No limbo. Mas como o limbo já foi anulado pelo Vaticano, neste momento, se calhar, fica no hiper espaço.

É verdade que usa pseudónimos?
Sim, nos livros e on-line. Termos algum sentido de esquizofrenia liberta-nos para podermos assumir várias máscaras.

É verdade que leva uma câmara de filmar para onde quer que vá?
É. Tenho coisas publicadas online, filmes montados e realizafos por mim, muito na óptica do documentário e nunca da curta-metragem. Tem sobretudo a ver com concertos dos Delfins.

Olhando para trás, preferia não ter feito o genérico do Big Brother ou ter apresentado as cantigas da rua?
Aprendemos com os erros. Se calhar, algumas dessas coisas foram comunicadas deficientemente e passaram uma imagem errada. Em Portugal, que é um país pequeno e o único onde as pessoas gozam umas com o sotaque umas das outras - isso não acontece na Alemanha ou em Inglaterra -, há um certo tipo de atitudes, que têm a ver com conceitos mais populares, que podem ser lesivas para a imagem. Não é por isso que deixo de fazer as coisas.

É o seu lado de actor?
Sim adopto a parte esquizofrénica do nick name e resolvo estes problemas.

Também está à espera do Iphone?
Não. De todo. Houve uma altura da minha vida em que era viciado em gadgets; hoje tenho quase atitude de repulsa e quero fazer as coisas da forma mais orgânica possível. Aliás, este disco dos Delfins foi gravado num estúdio dos anos 70, com válvulas, com pessoas reais a tocar instrumentos de madeira. O progresso está a levar-nos a descobrir a essência das coisas, e os gadgets são um entretenimento de que me tenho afastado.

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Nuno Cardoso


"Um tacho nunca deixou ninguém mais pobre"

Chega a Campanhã, muito depois da meia-noite, num comboio vindo de Lisboa. Guarda 25 minutos para a entrevista, antes de entrar em casa.Responde com golos de licor de framboesa. Nuno Cardoso, 36 anos, passou de encenador-promessa a freelancer. Se correr bem, no fim do ano, encenará "Platonov", de Tchekhov.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 15 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Demitiu-se do Teatro Nacional S. João (TNSJ) ou deixou de haver lugar para si?

Basicamente, demiti-me. Não tanto porque não havia lugar para mim, mas porque dez anos é muito tempo. Precisava seguir em frente.

Passa a ser freelancer?

Esse anglicanismo é uma maneira simpática de dizer que sou um gajo que tem que se desenrascar. Era tido como o protegido de Ricardo Pais [director do TNSJ).

Ficou sozinho agora?

Nunca fui seu protegido. Admiro muito o trabalho dele. E por mais sorrisos amarelos que isso possa produzir, ele deixa um legado discutível – como o são todos –, mas importante para o Porto.

Deixará de encenar no Porto?
Não. Nem de encenar, nem de viver. Em princípio, para o ano vou fazer o Platonov, no Porto.

Sente que perdeu um tacho?

Um tacho nunca deixou ninguém mais pobre [risos].

Também era protegido da crítica. Mas na sua última encenação, "Ricardo II", pela primeira vez, ela não foi unânime. Como lidou com isso?
Lidei bem. Foi uma espécie de empate técnico: duas muito boas e duas muito más. Já estava à espera. O tipo de proposta era complexa. Tinha virtudes e defeitos e, além disso, estava consciente de que apresentar a peça na conjuntura em que a apresentei abriria espaço a juízos de valor que não têm propriamente a ver com a arte. O que não significa que não ache que as pessoas que fizeram más críticas não tenham o direito de achar aquilo. Mas eu também tenho todo o direito de não lhes prestar atenção nenhuma.

Quer dizer que consegue convencer o Porto, mas não Lisboa?
Acho que convenci Lisboa, e bem. Acho que "Ricardo II" é um trabalho do caraças.

É o que são as suas encenações?
Sou.

Um trágico?

As minhas encenações não são trágicas; são cínicas. E, infelizmente, também um bocadinho blazé porque, se calhar, fico encadeado com o exercício de inteligência quando não sou tão inteligente quanto isso.

O TNSJ é apontado como um dos vértices do triângulo que se completa com o Museu de Serralves e a Casa da Música. Imagina-o a completar-se agora com o Teatro Rivoli e o Cinema Batalha?

Não. É um bocadinho a Alice no outro lado do espelho. Nem acho que haja sequer esse triângulo. Acho que são três instituições muito fortes, cada qual delas direccionada para um sentido do que é um equipa cultural. Não vislumbro qualquer sentido, enquanto equipamento cultural, no Batalha. E o Rivoli é o refém de um terrorista que precisa de ser resgatado sem se negociar com o terrorista.


Tem inveja das regalias de Filipe La Féria no Rivoli?

Não. Tenho inveja de uma vida transparente ou de uma situação que seja explicável. O Rivoli é uma nuvem cinzenta.

Seria capaz de encenar um musical para rivalizar com La Féria?
Seria. Aliás, tenho um projecto para isso. É baseado no evangelho e será desenvolvido com os bairros da cidade do Porto. Quero estreá-lo no Natal de 2008. É com não actores e não cantores e leia-se disso o que bem se entender.

Quer fazer um musical só por La Féria estar no Porto?
Não. Quero fazer um musical porque é um género fantástico e porque me irrita esta maneira de conduzir a vida pública, em qualquer que seja o seu sentido, que está a apoucar uma cidade tão grande como o Porto.

Já foi ver "Jesus Cristo Superstar"?
Não, mas vou ver. O facto de achar que aquele musical não devia ser feito no Rivoli, de achar que aquilo que está a acontecer ao Rivoli é profundamente errado, de achar que toda a situação e todos os intervenientes na situação estão profundamente errados e que há ali qualquer coisa de muito mau e anti civilizacional não significa que julgue mal uma coisa que ainda não vi. Quero ver. Quero aprender.

O formato das cidades capitais de cultura seduzem-no?

As capitais são, pelos vistos, avisos de morte. São como uma marca que se cola a dizer: "Bom dia, você vai ser capital da cultura. Em breve, vai morrer". Veja-se o Porto e Coimbra. Resta saber se, também em Guimarães, vai servir o ressurgimento de uma cultura da desgraça para os revanchistas virem ao de cima.

Que peça escolheria para caracterizar a actual condução política no Porto?

Não consigo encontrar uma peça tão sinistra.

"Uma pessoa define-se pelas suas batalhas"?
Claro.

Quais são as suas?

Tentar ser o mais honesto possível nas encenações e nos trabalhos de actor que faço. Não seguir as ideias feitas, nem entrar em clubites. Portugal é um país que vive muito de clubites: ou estás comigo ou estás contra mim. Esses clubes foram definidos quando ainda eu tinha quatro, cinco anos. Não tenho nada a ver com eles. Só tinha três anos quando começou o 25 de Abril e quando os senhores que estão no poder escolheram o seus clubes e as suas divisões. A minha grande luta é continuar a trabalhar.


Há em si um lado feminino que o leva a curar as neuroses nas compras?

Não sou uma 'fashion victim', mas gosto muito de ir às compras. E de criadores com Paul Smith ou Dries Van Noten. Vivo bem com os paradoxos. Não me importo de dizer que sou consumista, sou; que sofro muita influência da publicidade, sofro. Tenho essa consciência; já não é mau.

É egocêntrico?

Sou. Tive um professor que disse que o meu ego é maior do que a bola de praia da Figueira da Foz.

É um backpacker ou um turista de resort?

Viajo sempre de mochila às costas. Às vezes, não preciso sair do sítio para viajar - a viagem é um estado, não são os quilómetros; outras vezes, preciso ir para o outro lado do mundo para perceber o quão eurocêntrico sou.

É a estrela de Canas de Senhorim?

Não. Isso é uma sobranceria. A estrela é Alfredo Keil, que escreveu "A portuguesa".

Participou nas lutas de Canas a concelho?

Já não vivia lá. Mas agora estou preocupado com o fecho da Casa do Pessoal, onde comecei a ver cinema.

Qual é o ícone televisivo da sua infância?

Se há símbolo é o Vasco Granja. Não tinha paciência para os desenhos polacos e os russos, mas esperava para ver o Coyote e o Beep Beep. Há um ditado taoísta que diz: "A juventude é mal empregada nos jovens". Se calhar, a infância é o ponto de nostalgia dos crescidos.

Na literatura, mantém a ficção científica como género predilecto?
Sim, sou completamente fascinado pela ficção fantástica e científica.

E no cinema?
No cinema, tenho um fraquinho por westerns.

Ficou no 2º ano de Direito. Quando percebeu que não queria ser advogado?
Na primeira aula, quando um professor disse: "Vocês são a elite do país. Espero que se comportem como tal". Descobri que não gostava daquele sítio.

Coimbra foi a sua perdição?
Foram anos úteis e inúteis. Foram anos de fractura. Coimbra não me deu estudos académicos, nem eu contribuí nada para academia ou para Coimbra. Mas foi lá que aprendi que nada é para sempre. E que, depois de as coisas acabarem, ainda há mais vida para viver.

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Alfredo Barroso


"A Direita dos interesses rejubila e o país amocha"

Propositadamente, as perguntas são-lhe enviadas por mail com um dia de atraso para que possa responder depois do jogo da Supertaça. É sportinguista e ganhou. Bem humorado, Alfredo Barroso, 62 anos, jornalista e advogado, braço direito de Mário Soares, analisa o estado da nação sem subterfúgios.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 14 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Um sportinguista interpreta o jogo da Supertaça FC Porto-Sporting como uma reposição da verdade desportiva?
Nos tempos que correm, a verdade desportiva anda muito por baixo, como se sabe. O Sporting terá sido prejudicado no campeonato e o FC Porto na Supertaça. Se pudesse escolher, teria preferido que o Sporting fosse campeão. Como não posso, consola-me que a Taça de Portugal e a Supertaça morem em Alvalade.

Prefere ver o seu Sporting no estádio, na mesa do café ou ouvir o relato na rádio?
Há muito que prefiro ver a bola sentado num sofá lá de casa. É mais fácil dormir quando o jogo se torna chato e sensaborão, com poucos ou nenhuns golos. O futebol está cada vez mais industrializado e tecnocrático e cada vez e menos interessante.

Paulo Bento é o «special one» do Sporting?
Não é, e ainda bem. O «special one» é um sobreexcitado e o Paulo Bento prefere treinar «com toda a tranquilidade». O Ricardo Araújo Pereira, que é «lampião», topou-o bem.

Simpatizava com Jesualdo Ferreira. Mudou de opinião desde que ele está a treinar o FCP?
Simpatizava, sim. Até escrevi algumas crónicas a elogiá-lo, no «DN». Mas parece-me que a arrogância lhe subiu à cabeça, quando passou a treinar o FCP. Não me agrada a forma como se refere a alguns adversários domésticos. Devia deixar esse «dirty job» para o especialista da casa, que é o presidente vitalício do clube.

Nasceu em Roma. O que há em si de italiano?
Sem dúvida o facto de ser filho de uma italiana. E o apelido Somera, que, por acaso, até é de origem espanhola. Talvez também a paixão pela ópera, apesar da minha melomania ter sido mais influenciada por alguns portugueses.

Tem saudades da tertúlia «Os vencidos da vida», que partilhava com António Barreto e António-Pedro de Vasconcelos? Qual a razão do nome?
Saudades não tenho. Mas as melhores referências até eram o Vasco Pulido Valente e o médico João Paulo Amorim, que já morreu. E não éramos nós que nos designávamos assim. Seria pretensioso fazê-lo. Eça, Ramalho e Antero são únicos e irrepetíveis.

É melómano. Ainda faz campeonatos com os amigos para ver quem tem mais cd’s?
Nunca fiz campeonatos desses com os amigos. Gostava era de ir comprar discos com alguns deles. E é verdade que, no princípio, comprávamos cd’s às cabazadas, seguindo o guia da Penguin elaborado por especialistas da revista Gramophone.

Quando terminou (se é que terminou) a sua fase rock, altura em que frequentava a discoteca lisboeta Ad Lib?
Poucas vezes fui ao Ad Lib. A boîte (assim se dizia in illo tempore) que mais frequentei foi a Stones. Para já não falar do Caruncho, onde ia abanar o capacete e beber um copo nos tempos do liceu e da faculdade. Ainda conservo uma pequena discoteca de música pop, completamente esmagada, é verdade, pela discoteca de música erudita.

Nunca o confundem com Alfredo Barroso, o histórico autarca do Redondo, banido pelo PCP?
Aconteceu uma vez, quando ele ainda era do PCP, a propósito de um abaixo-assinado sobre o Alqueva publicado nos jornais. Ele assinou e eu fui notícia.

Que televisão - pública e privada - temos hoje, uma década depois de ter publicado «A televisão que temos» (Contexto, 1995)?
A televisão generalista que descrevi nessas crónicas, a TQT, não mudou quase nada, nós é que nos habituámos a quase tudo. Como dizia o poeta, «estamos nus e gramamos».

Numa altura em que a ficção nacional parece querer ganhar espaço televisivo, defende que deve haver mais pudor na adaptação das obras de escritores como Camilo («Paixões Proibidas») ou Eça («O Crime do Padre Amaro»), ou esse pode ser um dos caminhos para despertar, nas pessoas que habitualmente não lêem, curiosidade sobre autores portugueses?
Duvido muito que desperte. É como a história dos «Três Tenores». Também diziam que era para despertar interesse pela ópera, mas apenas serviu para um Pavarotti decadente ganhar pipas de massa. De resto, não sou, nem quero ser, censor do gosto e só posso lamentar que algumas adaptações sejam abaixo de cão.

São vagamente conhecidas as suas zangas com Mário Soares, na altura em que era chefe da Casa Civil do Presidente da República. Qual dos dois era o osso mais difícil de roer?
Ao longo de mais de trinta anos de estreita colaboração política, alguns atritos pessoais eram inevitáveis. Foram zangas, como diz, e não braços-de-ferro de roer os ossos.

Foi, apesar de tudo, uma das pessoas a tentar demovê-lo de se candidatar às últimas presidenciais?
Não tentei demovê-lo, nem tentei empurrá-lo. Achava que ele não devia candidatar-se, mas nunca lho disse, por considerar que eu não tinha esse direito e que lhe cabia a ele tomar uma decisão. É um assunto arrumado, do qual só guardo más recordações.

Que leitura fez do país no dia da derrota?
A leitura óbvia: a de um país cujo eleitorado confirmava uma clara viragem à direita. Grande equívoco tinha sido considerar a vitória do engenheiro Sócrates nas eleições legislativas como uma vitória da esquerda. Era bom que fosse, mas não foi.

Continua a ser contra a regionalização?
Claro que sim. Mantêm-se de pé todas as razões de fundo que a desaconselham. Desde logo, a total incapacidade do poder político para descentralizar e desconcentrar. É por isso que prefere regionalizar, ou seja, retalhar para centralizar em miniatura.

Essa «esquerda moderna, que se diz muito amiga dos pobres, mas prefere deitar-se com os ricos» (http://xn--sorumbtico-x4a.blogspot.com/) está a conduzir o país para onde?
Está a conduzir um país resignado e sem alternativas credíveis para patamares de maior desigualdade e precariedade. A direita dos interesses rejubila, obviamente. E o país anónimo refila, mas amocha.

Irrita-o exactamente o quê em José Sócrates?
Já não tenho idade para me irritar. Apenas lamento que o PS seja hoje um instrumento de defesa dos grandes interesses financeiros e de empobrecimento da classe média e dos trabalhadores em geral. Quando vemos um avocat d’affaires como José Miguel Júdice a teorizar sobre a «esquerda moderna», está tudo dito sobre o estado actual do PS.

Quer explicar-me o que diz ser «a técnica da banda gástrica», que o Governo está a aplicar ao País?
Dantes, em períodos de crise económica, os trabalhadores tinham de apertar o cinto mas mantinham a esperança de vir a desapertá-lo. Hoje, o objectivo é apertar o estômago dos trabalhadores para que eles se desabituem de querer comer mais no futuro. Só ao capital financeiro é permitido comer à tripa forra e engordar sem limites.

Ao fim de 20 anos de colaboração no DN, e de nove no Expresso, foi «varrido». Foi um divórcio de comum acordo?
Regra geral, os cronistas convidados não se casam com os jornais. Ficam dependentes das «opções editorais» das suas direcções. Não as contesto, mas devo interpretá-las. E concluo que sou politicamente incorrecto e incómodo para os poderes do dia. Além de ter manifesta vocação para a dissidência. O facto de ter tido escandalosamente razão no que escrevi contra a guerra do Iraque e contra os Governos do engenheiro Guterres, foi um precedente que me tramou numa imprensa dirigida por «cristãos novos».

Acabou a liberdade de imprensa em Portugal?
Claro que não. Mas é evidente que quase todos os órgãos de comunicação social estão ideologicamente alinhados e controlados pela direita. Há alguns esquerdistas de serviço, que funcionam como uma espécie de «idiotas úteis» e «avalistas» nos jornais de direita. Mas os desalinhados e os dissidentes são banidos e marginalizados.

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José Eduardo Agualusa



"Não sinto necessidade
de escrever como de fazer amor"

Foi mais difícil encontrá-lo do que obter a entrevista. Mesmo se a internet engoliu o primeiro mail, e o segundo, que José Eduardo Agualusa, 46 anos, enviou com as respostas. “Há uma maldição qualquer”, justificou o escritor angolano, cujo ADN está nas viagens. “Sou o homem mais feliz que conheço”.

[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 13 de Agosto na série Farpas do Jornal de Notícias]

Na Internet encontram-se quase tantas referências aos seus livros como à sua beleza física. Também acha que tem “pinta de galã de novela” e que isso contribuirá para o seu sucesso de vendas?
Acredito que a beleza possa ser importante para a carreira de um actor, ou até de um músico popular, mas parece-me irrelevante para a forma como um escritor é recebido pelos seus leitores. Nem sequer conheço a cara de alguns dos meus escritores preferidos.

Venceu o Independent Foreign Fiction Prize 2007. Isso transformou-o?
Transformou a forma como os meus livros passaram a ser recebidos no estrangeiro e quando digo estrangeiro refiro-me ao espaço das outras línguas. Os livros começaram a vender mais em Inglaterra e houve mais solicitações para traduções, além de que passaram a pagar-me valores bastante mais elevados como adiantamento.

O livro que se escreve depois de um prémio literário desta importância é mais seguro ou acontece-lhe o contrário?
Deixa-me indiferente. Talvez o Nobel não deixe. A verdade é que não penso nisso enquanto escrevo. Evidentemente agrada-me muito receber prémios, e também ter muitos leitores. Mas enquanto escrevo penso sobretudo naquelas pessoas que me são mais próximas, ou num ou noutro crítico que eu respeito mais. O resto é o prazer da escrita. A alegria que me dá descobrir outros universos. O jogo em si.

Valoriza mais a sua prodigiosa imaginação ou a capacidade de ser ágil e sagaz na escrita?
Imaginação parece-me essencial neste ofício, e inteligência também. Faço um grande esforço para conseguir que aquilo que escrevo manifeste alguma elegância. Elegância tem a ver com simplicidade.

São sempre os livros que nos escrevem ou isso é só uma posição em que os escritores gostam de se colocar?
Bem sei que parece uma frase de efeito, além do mais bastante batida, mas pelo menos no que me diz respeito corresponde à verdade. Não sei nunca aonde um romance me vai conduzir e isso é sempre o mais fascinante. É um exercício de descoberta.

O clímax de um livro [que se escreve] atinge-se aquando do de uma viagem: no fim?
Sim. No momento em que os fios se começam a amarrar, num movimento quase mágico, isso é um arrebatamento.

É possível justificar racionalmente a necessidade absoluta de escrever?
Nunca senti a necessidade absoluta de escrever – como de comer, ou de fazer amor. Escrever é quase sempre um prazer enorme, mas não uma urgência, ou uma angústia como imagino que seja um cigarro para um fumador.

Para quem nunca leu os seus livros, as crónicas, nomeadamente as do ‘Público’, são o seu melhor cartão de apresentação? Ou, como Lobo Antunes, escreve-as sem lhes dar grande importância?
O António tem razão. As crónicas têm uma importância relativa. No meu caso servem-me de exercício, escrevo crónicas como quem toma notas que mais tarde posso retomar para escrever um conto ou um romance. As minhas crónicas têm como título Fronteiras Perdidas precisamente porque se situam num espaço ambíguo, entre a crónica clássica, o artigo de opinião, e o pequeno conto.

Dizer-se afro-luso-brasileiro é a sua melhor definição de nacionalidade?
Não simpatizo com a ideia de nações nem com fronteiras. Sou um não-nacionalista. Ou um anacionalista. Acho que o nacionalismo conduz quase sempre ao ódio ao outro, ao desprezo pelo outro, quando, afinal de contas, o outro somos sempre nós.

A nossa identidade está na biologia ou nas escolhas que fazemos?
Nas escolhas. Nos caminhos que percorremos. A identidade constrói-se caminhando.

A sua a realidade é quase sempre mais inverosímil do que a ficção. Isso quer dizer que se nasce escritor?
Quer dizer que também não reconheço fronteiras a separar a realidade do maravilhoso. A realidade é sempre maravilhosa, podemos é estar distraídos.

Acredita, como Zumbi ["O ano em que Zumbi tomou o rio", 2002], que o Brasil ainda não se descolonizou?
Num certo sentido precisa completar essa descolonização. Isto é, seria importante que todos os brasileiros tivessem o mesmo acesso ao poder, o que não acontece ainda com as populações indígenas e de origem africana.

Que Portugal há hoje em Angola que não o do usurpador que colonizou?
A língua, evidentemente; o catolicismo, o futebol, o gosto pelo bacalhau e pela má-língua.

A qualidade da cultura depende sempre da situação económica do país?
Depende disso e do investimento na educação.

Acha mesmo que "os escritores portugueses são todos terrivelmente melancólicos"?
Acho que há alguns com muito bom humor. Poderia começar por citar o meu escritor favorito, o Eça de Queirós, ou um dos seus melhores amigos, o Ramalho Ortigão. O Almada também não era melancólico – mas era santomense. E o Gonçalo M. Tavares tem livros divertidíssimos – bem, é certo que nasceu em Luanda.

Não gosta de Saramago porque ele é ‘niilista e pessimista’ ou não aprecia mesmo o modo de escrever do Nobel?
O Saramago é um grande escritor. Pode-se ser pessimista, que é quase sempre uma forma de se ser reaccionário, sendo-se um grande escritor. Borges era um reaccionário e é um escritor que me marcou muito, e que releio frequentemente.

Rubem Fonseca, García Marquez e Bruce Chatwin ainda são a sua santíssima trindade?
Esqueceu-se do Eça, do Borges, do Nabokov, do Fernando Pessoa. E há outros.

Se pudesse ir de férias com Jorge Luís Borges para onde iriam os dois?
Borges está morto. Não me agrada nada a ideia de viajar com um cadáver na bagagem. Mesmo que estivesse vivo não o escolheria como companheiro de viagem. Preferia muito mais viajar com a Agustina, que é uma pessoa muito divertida. Ou com o Rubem Fonseca. Mas se tivesse de viajar com um escritor escolheria um grande amigo: o Mia Couto. Ou o Pedro Rosa Mendes, ou o Francisco José Viegas, ambos extraordinários viajantes, e que em qualquer parte do mundo sabem sempre onde se pode comer melhor.

Faz questão de que as suas personagens tenham sempre um modelo real. Há aí um lado próximo do jornalismo?
Nem todos os meus personagens têm um modelo real.

Há quem as considere [às personagens] levemente pretensiosas. É assim que as vê e as quer?
Já escrevi tanto. Criei personagens tão diversas. Os angolanos, e em especial os luandenses, são muitas vezes arrogantes e pretensiosos. Acho que em muitos casos é uma forma de disfarçar a insegurança.

Félix Ventura, o albino angolano que vende passados, é a sua melhor invenção de sempre?
Será? Eu gosto muito da Lídia do Carmo Ferreira, da Estação das Chuvas e da Ana Olímpia, da Nação Crioula. Também gosto do meu personagem mau, que aparece em vários romances, um tipo que é agente da segurança de Estado, entre várias outras ocupações, chamado Monte. Acho que o Monte é um personagem bem desenhado, com muita profundidade.

Venderia o seu passado, se fosse possível?
O meu passado não tem preço – como o Taj Mahal. Sou uma das pessoas mais felizes que já tive a oportunidade de conhecer.

Em que circunstância teve a ideia peregrina de pôr uma osga a narrar "O vendedor de passados"?
Eu conheci uma osga que ria – há muitos anos, na Floresta de Taman Negara, na Malásia. Nunca mais a esqueci.

Por que é que a osga é um camaleão na edição inglesa do livro?
Camaleões são os outros. As criações do Félix Ventura. Mas acho que fizemos mal em ter dado esse título ao livro na edição inglesa – “O Livro dos Camaleões”. Confundiu a crítica.

Um excepcional escritor pode verdadeiramente ser uma má pessoa?
Provavelmente. Conheço alguns torturadores em Angola, pessoas que interrogaram e torturaram presos políticos em 1977, que são recebidos em Portugal como bons escritores.

Viajar será sempre a melhor maneira de um escritor se inspirar ou a mais eficaz para fugir de si e dos outros?
Viajar não tem de ser uma fuga. Eu viajo para conhecer pessoas.

O seu único endereço fixo continua a ser o do email?
Tenho um belo apartamento em Lisboa, meu, e outro alugado em Luanda.

Tem alguma mágoa por os seus livros, que são eminentemente cinematográficos, ainda não terem chegado ao cinema?
Nenhuma. Dos meus sete romances quatro estão a ser adaptados para o cinema, dois deles em fase bastante adiantada.

Se as pessoas se dividissem realmente entre as que preferem Chico Buarque ou Caetano Veloso, de que lado ficaria?
Chico Veloso ou Caetano Buarque.

Tem um “cemitério de cadernos”. Que outras coisas enterra com vida?
Os cadernos não estão enterrados. Estão numa estante, sem pó.

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Luís Filipe Menezes


"Se quisesse disputar o Porto já o teria feito"

Não é fácil convencer Luís Filipe Menezes, 50 anos, a fazer um intervalo no seu tour eleitoral pelo país para responder à entrevista. Estaciona em Mondim de Basto. Responde ao telefone, de um café, em dia de "Volta a Portugal". O ruído dificulta a conversa. Eis o candidato à liderança do PSD em oito minutos.
[Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada a 12 de Agosto de 2007 na série Farpas do Jornal de Notícias]

Os homens medem-se aos palmos?
Aos palmos de inteligência, de criatividade, de carisma, de capacidade de trabalho, de carácter.

O que seria capaz de mudar fisicamente em si, em benefício de umas eleições?
Tudo aquilo que, em consciência, não fosse descaracterizar-me.

Costuma ser emotivo. Chora com facilidade?
As minhas lágrimas têm o mesmo cloreto de sódio das de Jorge Sampaio e de tantos outros.
Em casa, é homem de sofá e chinelos ou divide tarefas domésticas, como cozinhar?
Não gosto de cozinhar, embora não seja machista. E detesto o sofá. Sou mais proactivo. Gasto horas a alinhar os milhares de cds de música que tenho. E sou fanático por cinema.

Ainda ouve "The Doors"?
Ainda. Sou muito aberto a todos os tipos de música. Aliás, a todas as questões relacionadas com as artes. Não há nenhum género musical em não tenha os meus preferidos. Até na música pimba.
Freud costuma servir para explicar tudo. O que diria de si o psiquiatra?
Nada. As teorias de Freud estão ultrapassadas há muito tempo.
Está hoje em Mondim de Basto, ao lado de Celorico, onde começou a sua carreira como médico, nos anos 70. O que guarda desses tempos?
Guardo os meus primeiros fins-de-semana de montanhismo e alpinismo. E a imagem de uma região que tinha enorme potencial para se desenvolver, sobretudo em termos turísticos. Essa é uma das motivações para estar aqui: acredito que o interior de Portugal pode e deve ser desenvolvido.

Os directores de jornais também fazem parte da sua lista telefónica?
Os que são meus amigos, com certeza. Mas só por isso: por serem meu amigos.
Almoçou recentemente com um grupo de jornalistas-amigos auto-designado "Os empatados da vida". Sente-se empatado?
Não, de maneira nenhuma. Mas toda a gente tem momentos da sua vida em que pertence a esse clube. Acontece que nunca fica lá para sempre. Há momentos em que somos vencedores e outros em que somos vencidos.

Entusiasma-se realmente com as batalhas políticas?
Quando não estou entusiasmado, não obtenho resultados. Quando me empenho em alguma coisa, modéstia à parte, costumo ganhar.
Tem dito que é preciso olhar para o futuro. Mas não pára de evocar Francisco Sá Carneiro. Algum dia conseguirá livrar-se desse fantasma?
Há muitos que o evocam em vão; não é o meu caso. Foi por causa dele que entrei para o PSD e tive o privilégio de conviver com ele. Portanto, a minha referência tem conteúdo. Ultimamente, muitos o têm citado de forma abusiva e criticável. A ele e a Cavaco Silva.

Dentro do PSD, ambos têm a mesma importância?
Julgo que se aproximam no imaginário dos militantes do partido.

Que figura seria no quadro da última ceia do PSD?
Eu? Depende.
Quem seria Cristo?
Sem saber quem seria, talvez fosse só o fotógrafo.
Vê-se como o médico do seu partido?
O PSD ainda não está nos cuidados intensivos. Basta-lhe uma semana nas termas para ficar bem.
Sempre quis disputar o Porto......nunca quis. Se quisesse, teria tido todas as oportunidades para o conseguir.

De qualquer forma, imagina-se, em 2009, a disputar a liderança do PSD com Rui Rio?
Não. Imagino-me a ganhar as eleições a José Sócrates.

Sócrates é o primeiro-ministro (PM) do jogging. Que tipo de PM seria?
Eu faço jogging todos os dias às sete horas da manhã. José Sócrates faz jogging de quatro em quatro meses, no calçadão do Rio de Janeiro, no Brasil, ou na Praça de Tiananmen, na China. E sempre para a fotografia. Essa é uma das coisas que nos distingue.

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